“Crime Coletivo” – Relatório da ONU de Albanese detalha cumplicidade de Estados no genocídio

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Gaza – PC. O genocídio em curso em Gaza é “um crime coletivo”, sustentado pela cumplicidade de países influentes que têm possibilitado violações sistêmicas e prolongadas do direito internacional por parte de Israel, afirmou a Relatora Especial da ONU, Francesca Albanese, em seu mais recente relatório.

Albanese apresentou o relatório intitulado “Genocídio em Gaza: um crime coletivo” à Assembleia Geral das Nações Unidas na terça-feira, de forma remota a partir da Cidade do Cabo, África do Sul, onde esteve como convidada da Fundação Nelson Mandela.

O relatório, com 24 páginas, examina o papel de 63 Estados nas ações de Israel tanto em Gaza quanto na Cisjordânia ocupada, que se intensificaram “a um nível sem precedentes” desde outubro de 2023.

Segundo o relatório, o “apoio militar, político e econômico de alguns Terceiros Estados e a falta de vontade em responsabilizar Israel permitiram que o país consolidasse seu regime de apartheid colonialista no território palestino ocupado (TPO), com mais colônias, demolições de casas, restrições à movimentação e a perda e apagamento da vida palestina.”

Diante da cumplicidade desses Estados, o relatório demonstra que o genocídio em andamento contra os palestinos “deve ser entendido como um crime possibilitado internacionalmente”.

Muitos Estados, principalmente os ocidentais, “facilitaram, legitimaram e, por fim, normalizaram a campanha genocida perpetrada por Israel”, observa o relatório.

Ele identifica quatro setores de apoio — diplomático, militar, econômico e “humanitário” — cada um considerado “indispensável” para a continuidade das violações israelenses ao direito internacional.

Ações Diplomáticas e Políticas

O relatório observa que o prolongado apoio político e diplomático de Estados Terceiros influentes “permitiu que Israel iniciasse e sustentasse” seu ataque ao povo palestino.

Após 7 de outubro de 2023, afirma o documento, a maioria dos líderes ocidentais “repetiu as narrativas israelenses, disseminadas por meios de comunicação estatais e corporativos, ecoando alegações já desmentidas e apagando distinções fundamentais entre combatentes e civis.”

Os israelenses foram retratados como “civis” e “reféns”, enquanto os palestinos foram descritos como “terroristas do Hamas”, alvos “legítimos” ou “colaterais”, “escudos humanos” ou “prisioneiros” legalmente detidos.

“Com base em uma longa história na qual o ‘selvagem’ é privado das proteções do direito internacional — narrativa revivida pelo discurso da Guerra ao Terror —, os Estados ocidentais ajudaram a justificar o genocídio contra os palestinos”, afirma o relatório.

Ele aponta que em 9 de outubro de 2023, imediatamente após Israel anunciar o cerco total a Gaza, importantes líderes ocidentais expressaram apoio ao “direito de autodefesa” de Israel — algo injustificável sob o Artigo 51 da Carta da ONU.

Desinformação

O presidente Joe Biden citou repetidamente relatos não comprovados sobre “bebês decapitados”, enquanto o líder da oposição britânica Keir Starmer defendeu o direito de Israel de cortar água e energia para civis.

Esse ambiente alimentou uma ofensiva israelense feroz, afirma o relatório. Mesmo diante de insistentes apelos por cessar-fogo, os Estados ocidentais — liderados pelos Estados Unidos — defenderam apenas “corredores” e “pausas” humanitárias, evitando um cessar-fogo permanente e permitindo a continuidade da violência.

Após outubro de 2023, os EUA usaram seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU sete vezes, “controlando as negociações de cessar-fogo e fornecendo cobertura diplomática ao genocídio israelense”.

No entanto, os EUA não agiram sozinhos — o Reino Unido manteve alinhamento com a posição norte-americana até novembro de 2024.

Resolução do CSNU Enfraquecida

Um bloco de países ocidentais — Austrália, Nova Zelândia e Canadá, “às vezes acompanhados pelo Reino Unido, Alemanha ou Países Baixos” — pareceram dispostos em alguns momentos a pressionar Israel, como em dezembro de 2023, quando suas declarações “impulsionaram” pedidos por cessar-fogo.

“No entanto, a introdução do termo ‘cessar-fogo sustentado’ produziu uma resolução diluída do Conselho de Segurança da ONU que atrasou a ação”, diz o relatório.

Em fevereiro de 2024, esses mesmos países criticaram a planejada invasão de Rafah, ao mesmo tempo em que retiraram o financiamento da UNRWA (Agência da ONU para os Refugiados Palestinos).

“Essa diplomacia criou uma ilusão de progresso, enquanto ações concretas eram repetidamente bloqueadas”, observa o relatório.

Alguns Estados não ocidentais recorreram a tribunais internacionais para buscar responsabilização e pressionar Israel a cessar suas ações, observa Albanese.

Embora apenas 13 Estados tenham apoiado a África do Sul perante a Corte Internacional de Justiça (CIJ), a maioria dos países ocidentais negou persistentemente que o genocídio estivesse ocorrendo.

Nenhum deles se juntou à Nicarágua contra a Alemanha na CIJ, nem invocou leis domésticas contra corporações ou indivíduos cúmplices, observa o relatório.

Apenas sete Estados encaminharam a situação ao Tribunal Penal Internacional (TPI); “muitos buscaram minar seus mandados de prisão, e pelo menos 37 Estados permaneceram neutros ou críticos, sinalizando intenção de escapar das obrigações de prisão.”

Os Estados Unidos “impuseram sanções para paralisar o Tribunal; o Reino Unido ameaçou cortar seu financiamento”, enquanto o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu viajou livremente pelo espaço aéreo europeu, chegando a visitar a Hungria, que se retirou do Tribunal em abril de 2025, observa o relatório.

Laços Militares

Albanese aponta que Israel “depende desproporcionalmente” de importações de armas, com uma proporção de comércio militar mais que o dobro da média da OCDE e mais de quatro vezes superior à dos Estados Unidos.

“Esse fornecimento internacional continuou, mesmo com o acúmulo de evidências de genocídio, com os Estados Unidos, Alemanha e Itália entre os maiores fornecedores”, afirma o relatório.

Apenas alguns países ocidentais — notadamente Espanha e Eslovênia — cancelaram contratos e impuseram embargos.

Os EUA têm apoiado Israel financeira e militarmente desde sua criação, observa o relatório, apontando que, após a guerra de 1967, Israel se tornou o maior beneficiário do Financiamento Militar Estrangeiro (FMF) dos EUA.

O terceiro Memorando de Entendimento EUA–Israel, válido até 2028, “garante US$ 3,3 bilhões por ano em FMF, além de US$ 500 milhões anuais para defesa antimísseis.”

O relatório observa que os EUA fornecem armas a Israel tanto por meio de vendas militares diretas — respondendo por dois terços das importações anuais israelenses — quanto pelo estoque de armas americano em Israel (WRSA-I).

Israel também possui autorização especial para usar o FMF na compra de armas fabricadas em território israelense.

Enquanto isso, a compra de caças F-15, F-16 e F-35 e munições é apoiada por fundos de aquisição destinados a subsidiárias israelenses nos EUA.

Cumplicidade da Alemanha e do Reino Unido

A Alemanha foi o segundo maior exportador de armas para Israel durante o genocídio, “com fornecimentos que variam de fragatas a torpedos”. Os líderes alemães justificaram esse apoio com base em suas “obrigações pós-Holocausto” para com Israel, afirma o relatório.

O Reino Unido também desempenhou um papel central na colaboração militar com Israel, apesar da oposição interna. A partir de suas bases em Chipre, o Reino Unido “viabilizou uma linha de suprimento crucial dos EUA para Tel Aviv e realizou mais de 600 missões de vigilância sobre Gaza durante o genocídio, compartilhando informações de inteligência com Israel”.

Armas, Equipamentos e Componentes

Entre outubro de 2023 e outubro de 2025, 26 Estados enviaram ao menos 10 remessas de “armas e munições” (Código HS 93) para Israel — com destaque para China (incluindo Taiwan), Índia, Itália, Áustria, Espanha, Tchéquia, Romênia e França.

Aviões militares, veículos terrestres, drones, cães e itens de uso duplo (como circuitos integrados) são de rastreamento mais difícil, segundo o relatório.

O programa do caça F-35, peça-chave na ofensiva israelense em Gaza, envolve 19 países — incluindo Austrália, Bélgica, Canadá, Alemanha, Itália, Japão, Coreia do Sul, Reino Unido e EUA — que fornecem componentes e peças a Israel.

A “Arma” da Ajuda Humanitária

Alguns Estados “facilitaram a degradação das condições de vida da população de Gaza, inclusive por meio de sua própria participação na prestação de ajuda.”

Em violação às suas obrigações de garantir meios adequados de sobrevivência — conforme reafirmado pela CIJ —, Israel deliberadamente buscou destruir o sistema humanitário que sustentava a população ocupada.

Fez isso ao:
(i) bombardear diretamente armazéns da UNRWA, locais de distribuição de alimentos, escolas e clínicas, matando mais de 370 funcionários;
(ii) promover campanhas de difamação contra a UNRWA; e
(iii) criar agências pseudo-humanitárias, como a Fundação Humanitária de Gaza (GHF).

O relatório observa que, em vez de se oporem à catástrofe humanitária provocada, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Jordânia e Reino Unido, entre outros, lançaram ajuda aérea sobre Gaza — uma resposta cara, insuficiente e perigosa.

“Enquanto fingiam agir para aliviar as carências, apenas enganavam a opinião pública internacional, enquanto a fome se agravava”, afirma o relatório.

Relações Econômicas e Comerciais

Albanese observa que Israel “depende fortemente” do comércio e da cooperação econômica internacional.

“Manter relações comerciais normais, apesar da ilegalidade da ocupação e das sistemáticas violações de direitos humanos e do direito humanitário — agora agravadas ao nível de genocídio — legitima e sustenta o regime de apartheid israelense”, afirma o documento.

Em 2024, o comércio internacional de bens e serviços representou 54% do PIB israelense (queda em relação aos 61% de 2022).
A União Europeia, seu maior parceiro comercial, respondeu por quase um terço das trocas totais nos últimos dois anos.

Desde 1967, nenhum acordo comercial ou econômico foi suspenso, observa Albanese.

Aumento e Redução no Comércio

Poucos países reduziram o comércio durante o genocídio em curso — entre eles, Turquia, que suspendeu todas as trocas com Israel em maio de 2024, resultando em uma redução de 64% nas importações de origem turca e quase total cessação das exportações entre janeiro e agosto de 2025 (embora algum comércio indireto tenha continuado).

Enquanto isso, outros países aumentaram suas trocas com Israel durante o genocídio, incluindo Alemanha (+US$ 836 milhões), Polônia (+US$ 237 milhões), Grécia (+US$ 186 milhões), Itália (+US$ 117 milhões), Dinamarca (+US$ 99 milhões), França (+US$ 75 milhões), Sérvia (+US$ 56 milhões) e Emirados Árabes Unidos (+US$ 237 milhões), além de Egito (+US$ 199 milhões), Jordânia (+US$ 41 milhões) e Marrocos (+US$ 6 milhões).

“Essas relações compensaram a queda comercial que Israel provavelmente enfrentaria (–6%)”, afirma o relatório.

Energia, Portos e Transporte

Em termos de comércio de energia, apenas a Colômbia, que proibiu exportações de carvão para Israel em 2024, tomou medidas, observa o relatório.

Rússia e EUA foram grandes fornecedores de produtos refinados de combustível para Israel, enquanto Azerbaijão, Cazaquistão, Brasil e África do Sul “continuaram a fornecer matérias-primas essenciais”.

Países como Marrocos, Itália, França e Turquia continuaram a fornecer portos estratégicos para produtos, inclusive petróleo e gás.

A União Europeia e o Egito continuaram a importar gás israelense por meio do gasoduto do Mediterrâneo Oriental, “que passa ilegalmente pelo mar adjacente à Faixa de Gaza, violando os direitos soberanos palestinos”.

Em agosto de 2025, em meio à fome generalizada em Gaza, o Egito ampliou sua parceria com Israel através de um acordo de gás natural de US$ 35 bilhões — o maior da história israelense.

O comércio e o fornecimento de materiais e armas a Israel “dependem da infraestrutura de transporte de Terceiros Estados.”

Os portos conhecidos por facilitar o transbordo de peças do F-35, armas, combustível de aviação, petróleo e outros materiais incluem Turquia, França, Itália, Bélgica, Países Baixos, Grécia, Marrocos e EUA. Aeroportos na Irlanda, Bélgica e Estados Unidos também apoiaram essas transferências.

“Não Cometido em Isolamento”

Albanese conclui que o genocídio em Gaza “não foi cometido em isolamento, mas como parte de um sistema de cumplicidade global”.

Em vez de garantir que Israel respeite os direitos humanos fundamentais e a autodeterminação do povo palestino, “poderosos Terceiros Estados — perpetuando práticas coloniais e raciais-capitalistas que já deveriam ter sido relegadas à história — permitiram que práticas violentas se tornassem uma realidade cotidiana.”

Mesmo com a violência genocida evidente, Estados, principalmente ocidentais, continuaram a fornecer a Israel apoio militar, diplomático, econômico e ideológico, mesmo enquanto o país transformava a fome e a ajuda humanitária em armas, afirma Albanese.

“As atrocidades dos últimos dois anos não são uma aberração, mas o ápice de uma longa história de cumplicidade”, enfatiza a relatora especial da ONU.

Recomendações e Chamado à Ação

Albanese instou os Estados a pressionarem por um cessar-fogo completo e permanente e pela retirada total das tropas israelenses de Gaza; a tomarem medidas imediatas para encerrar o cerco, incluindo o envio de comboios navais e terrestres para garantir o acesso humanitário seguro e abrigos móveis antes do inverno; e a apoiar a reabertura do aeroporto e do porto internacionais de Gaza para facilitar a entrega de ajuda.

Ela também recomendou que os Estados reconheçam o direito palestino à autodeterminação e à justiça como essenciais para uma paz e segurança duradouras.

Apelo a Sindicatos e Sociedade Civil

A relatora especial apelou para que os Estados suspendam todas as relações militares, comerciais e diplomáticas com Israel; investiguem e processem todos os funcionários, corporações e indivíduos envolvidos ou que facilitem genocídio, incitação, crimes contra a humanidade e outras violações graves do direito humanitário.

Ela também pediu que os Estados cooperem plenamente com o TPI e a CIJ, reafirmem e fortaleçam o apoio à UNRWA e ao sistema das Nações Unidas como um todo, e suspendam Israel da ONU com base no Artigo 6º da Carta das Nações Unidas.

Por fim, Albanese convocou sindicatos, advogados, sociedade civil e cidadãos comuns “a monitorar as ações dos Estados em resposta a essas recomendações e a continuar pressionando instituições, governos e corporações por boicotes, desinvestimentos e sanções até o fim da ocupação ilegal israelense.”

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